22.6.10

SEIS

Abri os olhos devagar , e vi que estava no chão.
Como tinha ido ali parar ? Devia ter estado há muito tempo à espera daquela segunda carta dele que tinha adormecido.
Sentei-me na minha cama . Que estranho , estava tudo como antigamente . Quero dizer, antes da carta o meu quarto estava todo desarrumado e as minhas fotos e posters tinham saído da parede . Depois da carta , as coisas foram voltando um pouco á normalidade , ao saber que ele me amava e então arrumara o meu quarto e tinha voltado a colar tudo nas paredes , dando um pouco de vivacidade ao meu quarto.
Mas agora , tudo tinha voltado a desaparecer das paredes e tinha tudo ido parar ao chão , estando de novo desarrumado. Senti medo , não percebia o que se estava a passar .
Desci e fui jantar . Falei com os meus pais , tal como voltara a fazer , mas eles olharam-me muito fixamente extremamente admirados e até um pouco assustados .
Isto tinha acontecido quando eu voltara a falar e eu explicara-lhes que tinha mudado e aí eles tinham parado de me olhar com se tivesse endoidecido.
Mas agora parecia que tinham regredido e já não se lembravam que eu tinha voltado um pouco à normalidade !
Continuei a falar com eles e durante esse jantar os meus pais entreolharam-se tantas vezes que até metia impressão. Com certeza , já não se lembravam que a antiga Inês tinha voltado um pouco . Até compreendia um pouco a situação, eles trabalhavam imensas horas por dia , era normal que estivessem exaustos e nao se pudessem recordar de tudo.
E eu que pensara que isto tinha sido um facto bom para eles, um facto de que eles se recordassem ! Talvez tivesse sido um pouco egocêntrica ao pensar que eles se iriam recordar perfeitamente.
Não me importei , acabei de jantar , levantei a mesa e dirigi-me ao meu quarto como habitual.
Fui à caixa onde guardara a sua carta , para a puder ler de novo . Abri-a e vi que a caixa estava vazia .
O que acontecera à carta ? Onde estava ? Tinha a certeza absoluta que a tinha deixado ali .
Fui ao calendário , era 22 de Novembro .
Aí percebi tudo . Percebi que estava no mesmo dia que me tinha deitado no chão e trancado a porta . Percebi porque não me sentira feliz quando recebera aquela carta . Percebi porque acordara no chão . Percebi porque é que o meu quarto continuava desarrumado e sem nada nas paredes . Percebi porque é que os meus pais não se lembravam de eu ter , supostamente , voltado um pouco à normalidade.
Tinha sonhado tudo , neste mesmo dia tinha adormecido no chão e imaginara tudo. A carta nunca chegou , a normalidade nunca voltou e eu nunca lhe tinha respondido.
Sentia-me tão chocada que não me consegui mover um milímetro do local onde estava . As lágrimas começaram a escorrer de uma forma violenta e o ar entrava de maneira demasiado rápida e superficial.
Não acreditava , como seria isto possível ? Desliguei-me do mundo.

Passadas algumas horas encontrei forças para me mover . Levantei-me do chão e sentei-me na cama , tentando regularizar a respiração .
O pensamento que me ocorreu assombrou-me . Lembrei-me daquela tarde de Maio que lhe tinha prometido que nunca o ia deixar e ele tinha prometido o mesmo a mim .
Aí percebi o que iria fazer a seguir e que , com alguma sorte , conseguiria cumprir a minha promessa .
Agora tratava-se tudo de alguns minutos de teatro , falar com os meus pais , despedir-me e nao os magoar .
Desci as escadas , pus um sorriso na cara e , quando cheguei à sala sentei-me e disse aos meus pais :
- Acho que vou sair um pouco...
- Mas agora ? Já é noite , Inês , não me agrada a ideia de andares por aí à noite sozinha. Amanhã é sábado e podes ir dar um passeio . - disse a minha mãe.
- Mas eu queria ir agora . Já não saio há tanto tempo , mãe...
- É verdade , querida. - Disse o meu pai à minha mãe. - Por mim , Inês , podes ir , mas tens de voltar antes das 22:15h .
- Pronto , Inês , podes ir . Mas é só porque é sexta-feira e estamos quase nas férias de Natal...
- Obrigada , mãe . Obrigada , pai .
Levantei-me e vesti o casaco. Tinha de o vestir , não iria precisar dele , mas tinha de dar algumas provas que ia dar um passeio e como era Inverno , estava supostamente preocupada com o frio .
Antes de sair , dirigi-me de novo à sala . Dei um longo abraço ao meu pai e outro à minha mãe e disse-lhes :
- Por favor , nunca se esqueçam que eu vos amo . E que são muitíssimo importantes para mim e que eu só quero que vocês sejam felizes .
A minha mãe soltou uma gargalhada e respondeu :
- Oh , querida , parece que vais para a guerra e nao vais voltar .
- Mãe , não vou para a guerra , mas também nunca se sabe . Queria que soubessem que vos amo , aconteça o que acontecer...- dei ênfase aquelas últimas 4 palavras , para que tivessem um significado inportante e mais tarde eles percebessem o que eu queria dizer. - Era só isso . Até já , mãe . Até já , pai .
- Até já , querida . - disse a minha mãe.
O meu pai limitou-se a acenar com a cabeça , estando demasiado concentrado no telejornal para me responder verbalmente.
Saí porta fora e caminhei em direcção à praia .
Estava frio. Muito frio.
Mas para além do frio , estava muito vento . Soprava fortemente como se me quisesse impedir de fazer o que estava prestes a fazer . Deitei o casaco fora e continuei a andar .
Sempre gostara do mar . Era uma imensidão perfeita que me fascinava . Adorava o som das ondas e ver a beleza dos reflexos do sol na sua superfície .
Chegara à praia . Tirei os sapatos e as meias e deixei-os à entrada da praia , antes de chegar à areia .
Depois comecei a caminhar em direcção ao mar . A areia estava gelada , então nem conseguia imaginar como estaria a água .
Não pensei muito no assunto , e continuei a caminhar .
Cheguei perto do mar e comecei a entrar . Senti a água gélida nas minhas pernas o que me fez arrepiar e começar a tremer de frio .
Não podia pensar na temperatura da água , até porque ela podia ajudar a alcançar o meu objectivo . Então , mergulhei sem pensar .
Nadei depressa rumo ao nada , ao meio do mar . Vim à superfície e senti o vento a soprar violentamente na minha cara . Estava gelada e o meu corpo tinha espasmos de frio .
Não quis saber e comecei a nadar para baixo e a sentir falta do oxigénio .
Não iria ser cobarde nem fraca ! Sim , necessitava de oxigénio e o meu instinto insistia em mandar-me à superfície em busca de ar , mas também necessitava dele . Diego . Era tudo o que preenchia a minha cabeça .
O seu nome ecoava nos meus ouvidos . Comecei a sentir-me dormente , e os meus olhos a começarem a fechar .
Aí o meu instinto foi mais forte que eu e nadei rumo à superfície .
Cheguei à superfície mas não respirei , não iria desistir agora do meu objectivo .
Senti o vento novamente na minha cara e não conseguia ver nada . Nem queria ver .
Fechei os olhos e deixei-me ir para baixo de novo , para dentro do mar . O seu rosto foi o último pensamento antes do meu corpo se desligar do mundo .
O vento soprou e o meu rumo perdeu-se no mar , cumprindo a promessa de que nunca te ia deixar.

FIM .

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